Síndrome de Ulisses
Rui Catalão
Para este projeto de investigação dramatúrgica iremos acompanhar e entrevistar imigrantes e refugiados. Conhecer a sua história: de como deixaram os seus países. o que os levou a imigrar. como está a decorrer o processo de integração. Na nossa pesquisa, daremos particular atenção aos casos de duplo desenraizamento: pessoas e famílias que, para além de terem perdido as referências e os hábitos do seu país de origem, vivem afastadas da comunidade migrante a que pertencem.
Partindo do conceito psiquiátrico de “Síndrome de Ulisses”, e da sintomatologia que lhe está associada, a nossa pesquisa incindirá em histórias de vida familiares, tendo por base testemunhos pessoais dessa experiência.
O nosso objetivo é recolher material para um texto dramatúrgico. No processo, pretendemos envolver pessoas e comunidades, assim como instituições que tenham um papel social associado aos temas da imigração.
A síndrome de Ulisses, ou “síndrome do emigrante com stress crónico e múltiplo”, é um termo cunhado já no séc. XXI pelo psiquiatra espanhol Joseba Achotegui, que o definiu desta maneira: “Caracteriza-se por uma pessoa padecer de determinadas formas de stress, ou luto, assim como de vários sintomas psíquicos e somáticos, como a depressão e a ansiedade, que incidem na área da saúde mental”.
Os fatores de stress mais evidentes são causados pela separação forçada dos entes queridos (provocando uma rotura no instinto de apego), pelo sentimento de desespero, pelo fracasso do projeto migratório e a ausência de oportunidades, pelo medo (de ficar sem abrigo e não ter o que comer, das perseguições discriminatórias, das ameaças e chantagens das máfias, de serem detidos e expulsos do país), por um sentimento de indefesa, ou pelo desconhecimento dos seus direitos e de quem os proteja.
Achotegui já tinha criado o conceito de “luto migratório” - que a língua portuguesa tão bem traduz com o termo saudade - para descrever o sentimento de perda associado ao processo de mudança de um lugar, com os seus hábitos e presenças familiares, para outro onde tudo é desconhecido, e onde os vínculos afetivos têm de ser criados num cenário de desenraizamento.
Inspirado nas desventuras do herói homérico, depois de abandonar a ilha em que nasceu, “a síndrome de Ulisses” descreve um quadro ainda mais severo, que aflige os imigrantes e refugiados do século XXI em situação extrema.
Criação e interpretação: Rui Catalão
Apoio: Self-Mistake (Câmara Municipal de Lisboa – Cultura República Portuguesa - Cultura / Direção-Geral das Artes) e Quartel LARGO